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TRADUCCIÓN

Joana Vasconcelos. CINDERELA
© Joana Vasconcelos
Cinderela, 2007
Aço inox
430 x 150 x 270 cm
Cortesía Atelier de Joana Vasconcelos
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Idioma:  Português
Lúcio Moura
Comissariada por Filipa Oliveira, a exposição «Jardim Aberto surge como o desejo de uma celebração sem que haja um tema, nem um objectivo. É apenas o celebrar de uma data, a Implantação da República. Não obstante essa efeméride, a exposição não se baseia nas ideologias (políticas) que permeiam o dia que se festeja. Assim, ela é apenas um pretexto para convidar todos a visitar os jardins do Palácio de Belém. Desta forma, tem como fundamento a generosidade da abertura das portas de uma casa e do convite a entrar ao qual acresce a vontade de partilhar um jardim.»

JOANA VASCONCELOS
CINDERELA


“O trabalho [de Joana Vasconcelos] é realizado por acumulação (de formas) – requalificação (de sentidos). Uma lógica de adição que actua como lógica de transformação. ‘A quantidade transforma-se em qualidade' no raciocínio dialéctico que pretende precisamente perceber o funcionamento da sociedade industrial.”(1)

Cinderela, sandália de salto alto construída, em escala ampliada(2), com centena e meia de panelas e respectivas tampas propõe-nos uma reflexão acerca da resposta da mulher ao tratamento iníquo, entre os géneros, nas práticas quotidianas do mundo contemporâneo.

O título da peça – Cinderela – remete para um dos mais populares contos de fadas, também identificado como A Gata Borralheira, cuja origem conhecida reporta ao conto Greco-egípcio, ao qual Strabo faz referência(3). O conto foi amplamente divulgado através de inúmeras versões(4), entre as quais se destacam as variantes do século XVII, de Giambattista Basile (1634), e de Charles Perrault (1697) assim como a Aschenputtel dos irmãos Grimm, no século XIX. Em praticamente todas existe um tema central comum: o pé minusculo, símbolo de virtude, distinção e beleza, e o sapato que se lhe ajusta na perfeição(5). No entanto, a Cinderela que Joana Vasconcelos apresenta, não corresponde à estereotípia comum do passado, onde a robustez e grandeza do homem contrastava com a delicadeza e pequenez da mulher. Aqui o enunciado é renegado pela ampliação de escala do sapato. Este efeito gulliver permite adivinhar uma Cinderela gigante, capaz de ultrapassar a heteronormatividade de costumes vigente no convívio entre homens e mulheres.

Não se pense, contudo, que Joana Vasconcelos pretendeu fazer da sua obra um repetido manifesto feminista. A leitura é bem mais complexa e, aparentemente, contraditória. A utilização de panelas – signo ao qual poderíamos associar a dimensão doméstica da mulher - para reproduzir uma enorme sandália de salto alto – símbolo da provação da mulher, necessária para alcançar a beleza e elegância que o desempenho social lhe exige – contradiz a impossibilidade da relação dicotómica do desempenho feminino nos planos doméstico e social. A dimensão monumental do objecto representado irrompe, antes, como panegírico dessa dualidade, como que insinuando a realização plena de uma eventual individualidade através da subversão, em favor do sujeito, dos normativos sociais impostos .

Lúcio Moura
Lisboa, 24 de Setembro de 2007

Notas:
(1)João Lima Pinharanda, “Invenção e reivenção de alguns ditos populares para uso frequente”, Medley, Fundação EDP, Lisboa, 2003.
(2)150 x 430 x 270 cm
(3)Neste conto, Cinderela assume-se com o nome Rhodope, uma bela cortesã a quem uma águia rouba a sandália para a deixar junto do faraó. Este fica tão maravilhado com a sandália que ordena uma busca por todo o Egipto para encontrar a sua dona e assim torná-la sua mulher (The Geography of Strabo, Loeb Classical Library, Heinmann, Londres, 1932).
(4)Marian Cox realizou um estudo aprofundado a trezentos e quarenta e cinco versões de Cinderela (Marian Roalf Cox, Cinderella: Three Hundred and Fourty-five Variants, David Nut, Londres, 1893).
(5)Bruno Bettelheim identifica na história da Cinderela, ou Gata Borralheira, o conflito fraternal como extensão da rivalidade entre sexos: “A Gata Borralheira, a história que, mais do que nenhuma outra, trata do tópico da rivalidade fraternal, mostrar-se-ía estranhamente deficiente se, de algum modo, não exprimisse a rivalidade dos rapazes e das raparigas devida às suas diferenças físicas. Por trás desta inveja sexual encontra-se o medo sexual, aquilo a que se chama a ‘angústia da castração' (…) ele escollhe-a porque (…) ela é a mulher incastrada que o alivia da sua angústia de castração (…). Ela escolhe-o porque ele (…) aceita amorosamente a vagina sob a forma de chinelo (…). Não é só a rivalidade fraternal que é integrada e ultrapassada – acontece o mesmo com a rivalidade sexual” (Bruno Bettelheim, Psicanálise dos Contos de Fadas, 11.ª edição, Bertrand, Lisboa, 2005, pp. 336, 342, 343.


Jardim Aberto
Jardins do Palácio de Belém
Lisboa

Inauguração: 4 de Outubro 2007
Exposição: de 5 Outubro a 25 Novembro 2007
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